sexta-feira, 13 de março de 2009

Fita verde no cabelo

Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam.
Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, q que por enquanto.Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia.
Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.
Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo.
Então, ela, mesma, era quem dizia:
- Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.
A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós.
Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com a inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa.
Vinha sobejadamente.
Demorou, para dar a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
- Quem é !?
- Sou eu... - e Fita-Verde descansou a voz. - Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.
Vai, a avó, difícil, disse: -Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençõe.
Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou. A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: - Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.
Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em seu caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
- Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!
- É porque não vou podere nunca mais te abraçar, minha neta... - a avó murmurou.
- Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!
- É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta... - a avó suspirou.
- Vovozinha, e que olhos tão fundo e parados, nesse rosto encovado, pálido!?
- É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha... - a avó ainda gemeu.
Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. Gritou:
- Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!...
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
(Rosa, João Gumarães. Fita verde no cabelo.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992)

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